sexta-feira, 27 de setembro de 2013

De onde surgiram as ideias na política de Direita e Esquerda ?

O contexto histórico das posições políticas formadas no tempo de Luís 16, no final do século 18

Direita e esquerda são posições políticas originárias do lugar ocupado nas cadeiras da Assembleia Nacional Constituinte francesa, no tempo de Luís 16, os anos finais do século 18. Os representantes dos nobres, burgueses ricos e elementos do clero ficavam à direita. Eram os que não queriam grandes alterações na ordem social e política, que os beneficiava por meio de um sistema de privilégios.
Os representantes da pequena e média burguesia e de pessoas simpáticas a tais setores ficavam à esquerda. Eram os que desejavam o fim dos privilégios e uma reforma política e social que, segundo eles, tiraria a França da crise em que se encontrava, e em função da qual o rei havia convocado a Assembleia.
Com o tempo e por influência cultural e política da França, essa terminologia tipicamente francesa ganhou o mundo, sendo adotada inicialmente pelos jornais e, depois, pela mídia em geral. Desse modo, historicamente a expressão “direita política” passou a identificar o partido dos economicamente privilegiados, enquanto que a expressão “esquerda política” ficou como o partido dos menos privilegiados.
Assim, em termos históricos, direita e esquerda não se definiram inicialmente pelas relações entre indivíduo, sociedade e estado, como em geral tendemos a pensar hoje em dia, mas segundo uma divisão entre a “política dos ricos” e a “política dos pobres”. No entanto, na política europeia (os Estados Unidos são um caso que deve ser analisado separadamente), os ricos diziam preferir um estado que viesse a garantir certos serviços essenciais, mas sem interferir muito diretamente nas forças econômicas e principalmente no mercado. Por sua vez, os pobres queriam auxílio compensatório, tirados de todos por meio de impostos e administrados pelo estado, para a amenização dá má sorte na loteria do nascimento.
Desse modo, a direita ficou sendo uma posição alheia ao crescimento do estado diante da sociedade, enquanto que a esquerda se torno uma posição de endosso da maior participação do estado na vida social. A democracia liberal ficou sendo a direita, enquanto que as posições ligadas à social-democracia se mostraram como sendo a esquerda.
No decorrer do século 20, fenômenos ligados ao imperialismo alteraram um pouco esse quadro. Alemanha, Japão e Itália desenvolveram um desejo de participar do comércio internacional de forma imperialista, mas esse tipo de posição já tinha dono. Inglaterra, França e, de certo modo, os Estados Unidos já haviam repartido o mundo em três, exercendo toda forma de neocolonialismo. A ideia que Alemanha, Japão e Itália tiveram, então, foi uma só: quebrariam a ordem liberal interna de seus estados e os colocariam em função de algumas empresas de alguns grupos de pessoas ricas, e assim fazendo teriam empresas poderosas, capazes de competir com aquelas exclusivamente privadas das democracias liberais. Além disso, sempre pensando que talvez não pudessem competir de igual para igual, esses países se militarizaram e quiseram abrir espaço para o comércio com os povos neocolonizados na base da força. Iniciaram então a invasão de países próximos, em busca de um confronto direto com aqueles que então dominavam comercial e industrialmente o mundo. Isso resultou na II Guerra Mundial.
Nasceu dessa posição militarista aquilo que veio a se tornar genericamente a “política do fascismo”. Uma potência fascista, então, passou a ser aquela constituída como um estado totalitário militarizado, protetor das empresas capitalistas e empresas estatais de seu país, baseado em uma hierarquia de poder e privilégios, dos quais participariam não todos os ricos, mas especialmente aqueles que fossem simpatizantes do governo fascista, comandado por um ditador. Esse tipo de posição assumiu-se como “de direita”, é claro, uma vez que se tratava de exercer uma política voltada para os setores dominantes e ao mesmo tempo para o estado, sendo que este se punha como protetor e protegido desse grupo social, ainda que, é claro, se proclamasse protetor de toda a nação.
No século 20, antes mesmo do surgimento do fascismo, a esquerda também ganhou uma vertente totalitária. A social-democracia defendia a participação do estado na economia em função da melhoria da vida dos mais pobres. Trabalhava, no entanto, com a perspectiva de reformas que apontavam para uma sociedade socialista, assumido como um objetivo posto em um horizonte distante, às vezes quase assumidamente utópico. Um setor da esquerda chamou a esse tipo de política de “projeto reformista”, e acusou-o de ser incapaz de realizar o socialismo (o regime que encaminharia para o comunismo, com o fim das classes sociais). Aliás, esses dissidentes passaram a dizer que a social-democracia nem mais queria o socialismo, mas apenas o próprio capitalismo continuamente reformado. O socialismo, ainda segundo esses dissidentes, teria de vir por meio de uma revolução que colocaria toda a economia nas mãos do estado, de modo que este, então, organizaria a produção, a circulação e o consumo. Além disso, o estado retiraria os meios de produção das mãos dos ricos, e com isso iniciaria a transformação de toda a sociedade em uma “nação de trabalhadores”. Sendo todos só trabalhadores, não haveria mais sentido falar em classes sociais, e eis que se estaria aí já no interior do socialismo. A mundialização desse processo eliminaria as classes sociais de todos os lugares, os poderes organizativos de cada estado se tornariam poderes regionais de um só grupo – a humanidade – e isso implicaria no fim dos estados nacionais. Estar-se-ia, então, no comunismo.
Esse Estado socialista que estaria se encaminhando para o comunismo, exerceria uma ditadura transitória, revolucionária (a “ditadura do proletariado”), para poder retirar à força os meios de produção de seus donos. Feito isso, esse estado iria se encaminhando do socialismo para o mundo do comunismo. Ao menos nas vozes de seus progenitores, essa situação intermediária, e muito menos a situação final, não se configurariam como regimes totalitários. Ao contrário, o comunismo seria o regime da mais alta e perfeita democracia, ainda que uma democracia sem política.
Não havendo mais ricos e pobres não haveria sentido falar em partidos ou divergências internas em uma tal sociedade e, portanto, o termo “política” perderia o sentido, pois não haveria mais uma disputa de poder, e sim uma forma de organização colaborativa entre os trabalhadores internos a uma burocracia organizativa e os trabalhadores internos às fábricas e fazendas.
Dito tudo isso acima, o que se pode concluir?
Uma conclusão importante: é uma tolice dizer que não existe direita democrática ou esquerda democrática. Liberais democratas são, em princípio, democratas. Social-democratas são, em princípio, democratas.
Segunda conclusão: não é nada bom tornar direita e esquerda posições indiferenciadas quando optam por regimes não democráticos. É pouco inteligente apostar que direita e esquerda, ao se verem sob totalitarismo, terão igual funcionamento, ainda que, por causa do avanço do estado sobre a sociedade, as liberdades individuais padeçam nesses regimes, tornando-os insuportáveis.

No segundo artigo sobre direita e esquerda na política, 

filósofo trata da América

A política francesa do século 18 criou a denominação “direita” e “esquerda”. Paulatinamente essa terminologia foi adotada em diversos países por virtude da influência política e cultural da França. A “política dos ricos” seria a política de direita, enquanto que a “política dos pobres” seria a política de esquerda. Ao longo do século 20, a direita ficou com a política democrática e liberal, ainda que, como expliquei, tenha absorvido também uma vertente totalitária, contrária à democracia liberal, a chamada “política do fascismo”. A esquerda ficou com a política democrática, mas antes socialista que liberal – a “social-democracia”. Mas a esquerda também inventou um tipo de totalitarismo, que veio a se chamar “comunismo”.
Até aí é o que já escrevi no artigo “Uma lição básica de política: o que é direita e esquerda” (IG, 29/09). Todavia, é um esquema que precisa de reajustes aqui e acolá quando diante do quadro americano.
Nos Estados Unidos do pós-Guerra as pessoas se acostumaram a falar em “conservadores” e “liberais”. Assim, diferentemente do mundo todo, em que os liberais sempre ficaram mais próximos de uma postura conservadora, nos Estados Unidos, não raro, o termo “liberal” abarcou pessoas que, em certo sentido, seriam equivalentes aos social-democratas na Europa, os integrantes da chamada “esquerda democrática”.
Essa esquerda democrática ou social-democrata, em sua origem europeia, tinha em suas raízes as mobilizações sindicais segundo uma base social operária e segundo um ideário francamente marxista, mas não revolucionário. Para muitos, essa esquerda nunca deixou de ser a verdadeira herdeira do que deveria ser o socialismo. Ela tinha claramente abandonado qualquer postura revolucionária, optando por uma política de reformas graduais dentro do capitalismo e segundo as regras da democracia liberal. Essa democracia liberal, por sua vez, já não era propriamente a democracia liberal tradicional, mas uma democracia bastante articulada a um estado mais interventor na vida social e econômica. Tal estado foi forjado por conta do embate sindical diante do patronato, vindo a se tornar o que ficou conhecido como Welfare State ou Estado de Bem Estar Social.
Nos Estados Unidos o Welfare State nunca se desenvolveu da mesma maneira e com a mesma pujança do Welfare State europeu. Os Estados Unidos tiveram um movimento operário importante, mas nunca predominantemente marxista, recebendo grande influência libertária, ou seja, anarquista. Após a revolução russa de 1917, depois de um breve período de entusiasmo pela façanha de Lênin lá do outro lado mundo, o grosso da esquerda americana abandonou de vez os ideais já então chamados de “comunistas”, e desembarcou para o interior do grande guarda chuva liberal. Alguns traços de Welfare State só foram introduzidos com o New Deal do Presidente Roosevelt, aquele célebre grande pacto entre patrões e empresários, com participação governamental, com o objetivo de tirar o país da crise de 1929, a chamada “Grande Depressão”. A esquerda americana, desse modo, cresceu sempre muito voltada para a tradição liberal da nação americana, uma tradição herdada do liberalismo inglês, cioso da importância da liberdade individual perante o Estado.
Ora, isso quer dizer que a esquerda americana nunca cultivou a igualdade? Não! Claro que cultivou. A igualdade sempre esteve presente no contexto da política não conservadora. Todavia, não se tratava de exigi-la para aqueles que, enfim, podiam se sentir cada vez mais americanos, mas para os inúmeros grupos de imigrantes com menos sorte na América. Os Estados Unidos sempre foram um eterno lugar de minorias étnicas, e com o tempo também entraram para o jogo político as minorias de gênero, de orientação sexual e outras. A maior parte dessas minorias viu na política da esquerda, isto é, no conjunto da política antes liberal que conservadora, o melhor lugar para suas reivindicações. Como se pode ver hoje em dia, foi necessário um presidente negro para que um elemento de igualdade viesse a contar na política liberal americana com decisiva ênfase, a chamada reforma do sistema de previdência para a saúde nos Estados Unidos.
Por essas razões, talvez a esquerda americana, hoje, seja a que melhor lida com a busca de harmonia entre dois pilares essenciais da política liberal, a liberdade e a igualdade.
Mas, dito tudo isso, pode-se afirmar então que os Estados Unidos contém toda a sua esquerda, agora, no contexto do termo “liberal”?
A partir dos anos sessenta, principalmente com o impacto da Guerra do Vietnã na vida americana, os Estados Unidos desenvolveram a chamada Nova Esquerda. Nunca foi uma esquerda fortemente política, mas muito mais cultural. Na política essa Nova Esquerda produziu vozes isoladas, advogando um marxismo esquemático, às vezes de caráter juvenil e até mesmo idiossincrático. Trata-se de uma esquerda, ainda hoje, com muita dificuldade de mobilização política. Afinal, se não é uma esquerda revolucionária, pode perfeitamente integrar as fileiras dos “liberais” e se inserir na política do Partido Democrata. Bem, mas se é revolucionária, então está dizendo que, na pátria do capitalismo e da democracia liberal, ter-se-á que optar por um regime em que haverá a nacionalização dos meios de produção?
Ora, o americano é muito patriota, mas de modo algum nacionalista. O nacionalismo, para ele, é pensado como um estado que irá lhe tirar liberdades, como um regime que irá se parecer ou com a extrema direita, o nazi-fascismo, ou a extrema esquerda, o comunismo do tipo que existiu na URSS. Nesse caso, a esquerda mais radical, pautada em discursos à base de Marx, mas mesclando-o com Foucault e Nietzsche, tem pouco espaço na política que não seja a política acadêmica ou o que é desenvolvido nas revistas universitárias de “estudos culturais”.
A política brasileira, sempre muito influenciada pela política europeia, de uns tempos para cá tem buscado aproveitar certos elementos da política americana. Nossa esquerda, aqui, buscou aprender com os americanos as políticas ditas compensatórias, que visam integrar em nossa democracia as chamadas minorias – também de várias ordens, étnica, de gênero, de orientação sexual etc. Talvez falte aprender mais, também, com o cuidado diante da liberdade individual, o que demanda uma atenção a mecanismos de participação política antes do indivíduo que exageradamente em partidos e outras instituições.
Por tudo isso dito, não posso deixar aqui de sugerir a leitura do meu Filosofia política para educadores – democracia e política de minorias (Editora Manole, 2013), que contém uma série de pequenos artigos sobre todo esse assunto.
*Paulo Ghiraldelli, 56, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ

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